Resistência
Ali, agora parados, os manifestantes do Acampamento Terra Livre entoam cantos. Como um ato de protesto, os indígenas carregam caixões feitos de isopor para lançá-los dentro do espelho d’água em frente ao Congresso Nacional. Cada caixão representa um líder indígena assassinado na luta pela terra. Várias pessoas correm em descida até lá. O aparato policial é acionado e, de forma desproporcional, ataca todos os manifestantes.
Diante dos ataques por parte dos policiais contra alguns indígenas, começam a entoar mais forte seus cantos e a dançar: Xukuru, Pankararú, Kĩsêdjê, Xakriabá, Xavante, Krenak, dentre outros. Uma senhora Guarani Kaiowá pega o microfone do caminhão de som que acompanhava a marcha, seu grupo se aproxima, e, no meio deles, estão alguns velhos e um parente que eu havia acabado de fotografar. Um deles diz em voz alta no microfone: “Parente, sai da frente que agora vamos mandar uma reza de fogo”.
Começam então os cantos de reza, no modo frenético Kaiowá, enquanto os demais povos seguem com os seus próprios cantos de frente para o Congresso Nacional. Os policiais ainda revidam com suas bombas, ao passo que indígenas lançam flechas no prédio do parlamento brasileiro, e a Esplanada dos Ministérios é tomada pela fumaça. As forças ali presentes (do visível e do não visível) se cruzam num só eco, invocadas pelos cantos incessantes da reza de fogo que os Kaiowá emanam dos diversos cantos que os outros povos entoam ao mesmo tempo. A força dos ancestrais de cada povo ali presente. A batalha dessa guerra chegou ao fim. Aos poucos, ainda com os olhos ardentes sob o efeito do gás de pimenta, as pessoas recuam e se reúnem na parte alta do gramado. Ali, elas se sentam no chão e comentam os horrores da truculência policial. Algumas ainda continuam os cantos, enquanto o círculo cresce. No mesmo momento, uma enorme faixa é hasteada em frente ao Congresso Nacional, na qual pode ser lida a frase: “Demarcação já!” O sol já estava se pondo, uma grande nuvem é formada em direção do Congresso, e em poucos minutos começa a chover apenas em cima da Praça dos Três Poderes.
Edgar Kanaykõ Xakriabá
Vistas da exposição
Acesse os recursos de acessibilidade